
Por FRANCISCO EGITO
Natureza do fundo de reserva
O fundo de reserva é uma arrecadação compulsória, prevista na convenção de condomínio, a ser cobrada mensalmente com a cota condominial. Sua natureza é a de poupança, com caráter de previdência, para ser utilizado em face de despesas imprevistas, urgentes ou emergentes, de cunho ordinário ou extraordinário.
Seu valor costuma ser de 5% ou 10% sobre a cota condominial básica, devendo ser segregado contabilmente, com controle separado do valor da cota condominial ordinária. Deste modo, não deve ser depositado com os demais recursos arrecadados para as despesas condominiais, na conta comum do condomínio, sendo recomendado que seja depositado em uma conta específica. O fundo de reserva só poderá ser movimentado segundo os critérios previstos na convenção de cada condomínio, para fazer jus a necessidades emergenciais e imprevistas da gestão.
A convenção condominial, normalmente, peca por não disciplinar adequadamente acerca das possibilidades de sua utilização, nem estabelece limites para a sua composição e arrecadação. Em tais casos, essas omissões deverão ser resolvidas pela assembléia especialmente convocada para esta finalidade, ou pela assembléia que aprovar o orçamento do exercício, disciplinando os critérios para a sua adequada utilização.
Previsão normativa para a cobrança do fundo de reserva
O fundo de reserva não está previsto especificamente no Código Civil, razão pela qual ainda vigora a Lei de Condomínios e Incorporações, nº 4591/64, que instituiu a obrigatoriedade de sua arrecadação, prevendo que a convenção do condomínio deverá tratar da forma de contribuição dos condôminos para a formação do fundo de reserva.
O Código Civil trata da assembléia de aprovação do orçamento de despesas, quando será tratado do fundo de reserva:
Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.
Verificamos que em alguns casos teremos lacunas na convenção de cada condomínio, deixando silentes alguns pontos relevantes, como os casos para a utilização do fundo de reserva e o teto para a sua composição e arrecadação. Na realidade da gestão dos condomínios, temos ainda a ausência de segregação do valor do fundo de reserva, que não é depositado em conta específica, confundindo-se com a conta corrente comum do condomínio.
Fundo de reserva nas relações de locação, despesas ordinárias e extraordinárias
A lei do inquilinato (Lei 8.245/91) procurou disciplinar a questão da cobrança do fundo de reserva, separando as responsabilidades do locador e do locatário. Separando as atribuições, o locador fica obrigado ao pagamento das despesas extraordinárias de condomínio e o locatário, a seu turno, deve pagar pelas despesas ordinárias de condomínio.
Apesar do esforço do legislador em disciplinar o tema, vemos na prática diversas discussões entre locatários e proprietários de imóveis, a respeito de quem efetivamente deve responder pelo pagamento do fundo de reserva. De fato, a cobrança e constituição do fundo de reserva geram questionamentos, muita das vezes por desconhecimento ou interpretação limitada do texto legal, trazendo tal desentendimento para o expediente de administradoras de imóveis, que deverão procurar dirimir tais conflitos, avaliando cada caso concreto.
A diferença básica entre despesa ordinária e extraordinária pode ser melhor compreendida se utilizarmos o conceito de manutenção como marco divisor de responsabilidades.
Desta forma, o locatário que detém a posse do imóvel deve contribuir com as despesas condominiais necessárias à manutenção do bem, ônus que lhe cabe em razão da ocupação e utilização da propriedade. Com efeito, deverá arcar com as despesas com o consumo de luz, água, salário dos funcionários, encargos trabalhistas, manutenção e conservação das áreas comuns e estruturas prediais.
Já o locador deverá pagar as despesas extraordinárias, que são aquelas que excedem a mera manutenção do prédio, contribuindo para melhora na estrutura, arquitetura e equipamentos prediais, acarretando, por conseguinte, a valorização do imóvel, cujo principal beneficiário será o locador. Tais despesas são as que não se consubstanciam como gastos rotineiros com a manutenção do edifício, como obras e reformas que melhorem a estrutura do bem, despesas com decoração, instalação de novos equipamentos no condomínio, pagamento de despesas anteriores ao seu ingresso no edifício.
Na expressão do texto legal, no art. 22 da lei do inquilinato, temos que o locador é obrigado a pagar as despesas extraordinárias de condomínio, bem como a constituição de fundo de reserva.
Prosseguindo, o art. 23 da referida lei nos diz que o locatário é obrigado ao pagamento das despesas ordinárias de condomínio, bem como a reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado, salvo se referente a despesas de período anterior ao início da locação.
Com efeito, o locatário deverá devolver ao proprietário do imóvel os valores do fundo de reserva condominial que forem eventualmente aproveitados no custeio de despesas ordinárias (art. 23 – § 1º “i”).
Segundo SÍLVIO VENOSA:
“Sendo obrigação do locatário o pagamento tão-somente das despesas ordinárias definidas por lei, não pode o contrato dispor diferentemente, sendo nula a cláusula que impõe ao inquilino o pagamento de despesas extraordinárias do condomínio. Trata-se de garantia assegurada ao locatário pela lei
(2º TACSP, Ap. c/ Rel. 361.342 – 8ª Câmara, Rel. Milton Gordo; Ap. c/ Rel. 359.533 – 4ª Câmara, Rel. Carlos Stroppa)”.
Na prática, a gestão do fundo de reserva pelo condomínio termina não seguindo a melhor prática contábil, nem sempre havendo a arrecadação e depósito do mesmo em conta específica para esta finalidade, o que pode gerar confusão. Muitas vezes o fundo de reserva é cobrado, mas não é utilizado para tal finalidade, pois existe déficit de arrecadação, terminando por ser destinado ao pagamento das despesas ordinárias de condomínio. De qualquer sorte, o locatário fica responsável pelo seu pagamento, sendo-lhe apenas ressarcido quando o valor arrecadado for utilizado para o pagamento de despesas extraordinárias, ou quando utilizado para pagamento de despesas ordinárias anteriores à locação.
Neste sentindo, vemos algumas decisões do TJ-RJ sobre o pagamento do fundo de reserva, quando utilizado para as despesas ordinárias de condomínio:
0031090-43.2008.8.19.0001 (2009.001.02483)
– APELACAO – 1ª Ementa
DES. ODETE KNAACK DE SOUZA – Julgamento: 12/08/2009 – VIGESIMA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. PAGAMENTO DO MÊS DE JANEIRO REALIZADO APÓS O AJUIZAMENTO DO FEITO, O QUE JUSTIFICA SUA DEVOLUÇÃO, QUE FOI CORRETAMENTE FEITA NA CONTA DA FILHA E ADVOGADA DA APELANTE. É DE RESPONSABILIDADE DA LOCATÁRIA O PAGAMENTO DO FUNDO DE RESERVA, CONFORME O DISPOSTO NO ARTIGO 23, § 1º, I, DA LEI Nº 8.254/1991. O VALOR REFERENTE À MULTA, JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DOS ALUGUERES VENCIDOS A PARTIR DE ABRIL DE 2008 É DEVIDO E DECORRE DO ESTIPULADO NO CONTRATO DE LOCAÇÃO. IGUALMENTE CORRETO O ACRÉSCIMO DE 20% SOBRE O VALOR DOS ALUGUÉIS ATRASADOS, A TÍTULO DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO, EM RAZÃO DO QUE DISPÕE A CLÁUSULA Nº 28, DO CONTRATO DE LOCAÇÃO. A JURISPRUDÊNCIA DO TJRJ É PACÍFICA NO SENTIDO DE QUE A RESPONSABILIDADE DO LOCADOR PELO PAGAMENTO DOS ALUGUÉIS E ENCARGOS SE ESTENDE ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES, NÃO CESSANDO COM A SIMPLES DESOCUPAÇAO DO IMÓVEL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO, CUJA ARGUIÇÃO PRELIMINAR SE REJEITA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
0192580-74.2008.8.19.0001
– APELACAO1ª Ementa
DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA – SEXTA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. RITO SUMÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL. DESPESAS ACESSÓRIAS DO IMÓVEL. COBRANÇA DE CONDOMÍNIO REFERENTE À REPOSIÇÃO DO FUNDO DE RESERVA E DESPESAS COM O PAGAMENTO DE TAXAS DE SERVIÇOS ESTADUAIS. RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO. PREVISÃO LEGAL E CONTRATUAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 23, § 1º, ALÍNEA “I”, E 22, INCISO VIII, DA LEI 8.245/91. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
0033644-56.2005.8.19.0000 (2005.002.29395)
– AGRAVO DE INSTRUMENTO 1ª Ementa
DES. MARIA HENRIQUETA LOBO – SETIMA CAMARA CIVEL
DECISAO MONOCRÁTICA
Agravo de instrumento. Ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de alugueres e encargos. Fundo de reserva. Inteligência do artigo 23, inciso XII, alínea i, da Lei n° 8.245/91. Cabe ao locatário o pagamento das verbas referentes ao fundo de reserva porquanto são despesas ordinárias do condomínio. Responsabilidade solidária da fiadora. Recurso manifestamente improcedente a que se nega seguimento com fulcro no artigo 557 do Código de Processo Civil.
INTEIRO TEOR