Inciso XXXVIII – Tribunal do Júri

“É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”

TRIBUNAL DO JÚRI: A SOCIEDADE PARTICIPANDO DO JULGAMENTO

Você sabe o que é o tribunal do júri? Não? Esse é um direito fundamental estabelecido no inciso XXXVIII da Constituição Federal brasileira que além de contribuir com a democracia, insere a sociedade no julgamento de alguns crimes. Quer saber como a Constituição define este direito e como ele funciona na prática? Continue conosco! O Politize!, em parceria com o Instituto Mattos Filho, descomplicará mais um direito fundamental nessa série de conteúdos chamada “Artigo 5º”.

Se preferir, ouça esse conteúdo em formato de podcast:

Para conhecer outros direitos fundamentais, confira a página do projeto, uma iniciativa que visa tornar o direito acessível aos cidadãos brasileiros, por meio de textos, vídeos e podcasts com uma linguagem clara.

O QUE É O INCISO XXXVIII?

O inciso XXXVIII do artigo 5º, promulgado pela Constituição Federal de 1988, garante que:

Art 5º, XXXVIII, CF – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

O presente inciso trata do júri, instituição criada para promover a participação da sociedade no julgamento de cidadãos acusados de alguns crimes específicos. Basicamente, esse inciso reconhece o júri como a única instituição do sistema jurídico brasileiro com competência para julgar os chamados crimes dolosos contra a vida, ou seja, aqueles praticados de forma intencional e que, de alguma forma, atingem o direito à vida. São exemplos de crimes dolosos contra a vida: homicídio, induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, infanticídio e aborto.

Arame farpado em uma cerca | Tribunal do júri – Artigo Quinto

Em suma, este inciso assegura ao indivíduo a possibilidade de ser processado e julgado pelos seus concidadãos, que possuem uma sabedoria popular própria e podem lhe garantir um julgamento mais justo.

Além de estabelecer ao indivíduo processado a plenitude do direito de defesa, este inciso também assegura aos jurados o sigilo de suas votações, dando a segurança necessária para que votem conforme sua consciência, sem qualquer tipo de influência externa. Por fim, o texto constitucional tratado neste texto estipula que a decisão do júri deve ser acatada, sem possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário, determinando que a vontade do povo (representado pelos jurados) não seja suprimida pela de um juiz.

Por acaso termos como “inciso” e “alínea” são complicados para você?. Que tal checar nosso conteúdo sobre a estrutura das leis e aprender mais sobre o “juridiquês”?

O HISTÓRICO DESTE DIREITO

A origem dos tribunais populares remonta a antiguidade. Há relatos de que, ainda na Grécia antiga, o júri foi adotado para resolução de conflitos, como no julgamento de Sócrates no Tribunal dos Heliastas. Entretanto, a concepção moderna do tribunal popular (júri) tem suas origens na Inglaterra do século XI, quando o monarca Guilherme estabeleceu que doze populares seriam os responsáveis pelo julgamento de seus “pares”.

Essa forma de julgamento foi inserida na Magna Carta (1215) e, a partir disso, disseminada pela Coroa Britânica em suas colônias, com destaque para os Estados Unidos da América. O modelo do júri também foi replicado no continente europeu, especialmente no território francês após a Revolução Humanista do século XVIII, que muito se utilizava do júri para preservar a vontade geral revolucionária.

Na mesma época, o Brasil foi fortemente influenciado pelos ideais franceses e, consequentemente, pelo direito francês. Em 1822, ainda durante a vigência da Constituição do Império, foram criados os tribunais populares que, formados por 24 cidadãos, julgavam os crimes de imprensa.

Em 1830, surgiu no Brasil a figura oficial do júri, subdividido em dois: um formado por 23 membros e que servia apenas para admitir a acusação e o outro, formado por 12 membros, que julgava os casos. Ao longo dos anos o tribunal do júri foi ampliado (1832), suprimido (1841) ou recriado com um escopo limitado (1850), até que, em 1891, após a Proclamação da República, o júri passa a ter status constitucional, ao passo que foi a própria Constituição promulgada naquele ano que estabeleceu a manutenção do júri em território brasileiro.

Durante a ditadura do Estado Novo (1938), a soberania do júri foi retirada. As decisões que eram consideradas “injustas” por divergirem por completo das provas nos autos eram passíveis de revisão pelos Tribunais de Justiça. Essa situação foi revista pela Constituição de 1946, que reestabeleceu as diretrizes do júri, estas que são seguidas até hoje, quais sejam: número ímpar de jurados, soberania dos veredictos, sigilo das votações e plenitude da defesa. Vale ressaltar que, não houve mudança substancial no tribunal do júri durante o período ditatorial, após o golpe cívico-militar de 1964, porém foi com a promulgação da Constituição de 1988 que o júri se consolidou como direito fundamental de natureza individual e coletiva.

A IMPORTÂNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

O júri é a implementação prática da democracia, ao passo que todo poder emana do povo e cabe a ele participar e fiscalizar todos as frentes do Estado. Nesse sentido, o Constituinte de 1988 considerou a vida como o bem jurídico de maior importância, cabendo ao legítimo detentor dos poderes do Estado (o povo), julgar crimes que atentem contra esse bem.

Mãos sobre uma mesa | Tribunal do júri – Artigo Quinto

Apesar dos constantes ataques à instituição do júri pela “falta de técnica jurídica”, ele deve ser entendido como uma garantia individual e coletiva, afinal, é um mecanismo democrático que resgata a participação popular na realização da justiça. É iniciativa que traz um novo olhar sobre certos processos e estabelece, na medida do possível, a justiça no caso concreto.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o “Diagnóstico das Ações Penais de Competência do Tribunal do Júri – 2019”. Esse estudo reúne informações de todos os Tribunais de Justiça do país sobre os julgamentos proferidos pelos tribunais do júri durante os anos de 2015 a 2018, um universo de 28.984 sessões de julgamento realizadas. Vejam algumas conclusões do estudo:

  • O desfecho mais recorrente nos processos de competência do Tribunal do Júri foi a condenação (47,9% dos casos);
  • As decisões pela extinção da punibilidade representam 32,4%. Essas decisões não geram uma punição ao acusado, seja por causa da morte do agente, anistia, graça, indulto, perdão judicial ou até prescrição;
  • As absolvições pelo júri são minoria (19,6% dos casos);
  • tempo de tramitação dos processos varia em relação ao resultado, quatro anos e quatro meses para decisões condenatórias e cinco anos e um mês para as absolutórias. 

O INCISO XXXVIII NA PRÁTICA

Esse direito é de fácil entendimento, já que é assegurado na prática por meio da criação de um ramo especializado da Justiça. Entretanto, o júri também é operacionalizado por meio de um rito processual próprio, descrito no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941).

Do ponto de vista legislativo, o Código de Processo Penal é o único documento que define como funciona o júri. Isso porque ele reafirma a competência do colegiado para julgar crimes dolosos contra a vida (arts. 74, §1º e 78, Inc. I) e também estipula o caminho processual que deve ser seguido nesses casos específicos (arts. 406 e ss.).

Em relação a jurisprudência, é possível observar diversas situações práticas tratando sobre o júri e seu caráter constitucional:

  • Em casos de crimes dolosos contra a vida envolvendo autoridades com direito a julgamento especial (foro privilegiado), este deverá ser feito pelo júri, exceto se a previsão de julgamento especial também decorrer da Constituição Federal (Súmula Vinculante nº 45);
  • O réu não pode estar algemado durante o plenário do júri, a menos que exista algum risco de colocar em perigo a segurança dos presentes. A acusação não pode fazer menção a este fato na sustentação oral, sob pena de prejuízo à plenitude de defesa (Súmula Vinculante nº 11);
  • O processo se encerra (torna-se nulo) caso não seja apresentado quesito obrigatório aos jurados na hora de decidir sobre o caso, ato este que fere a legislação (Súmula nº 156 STF);
  • crime de homicídio praticado por ciúme não pode ser considerado como homicídio qualificado por motivo torpe (AgRg no AREsp 569047/PR, Rel. Ministro Ericson Maranho – Des. Convocado do TJSP);
  • A simples leitura (durante o plenário) da decisão que submeteu o acusado ao júri, por si só, não anula o julgamento e, portanto, não causa prejuízo à plenitude de defesa (AgRg no AREsp 429039/MG, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz);
  • A sentença judicial que submete o acusado ao julgamento pelo júri (decisão de pronúncia) só deve indicar a existência de crime e os indícios pelos quais o acusado está sendo acusado. O excesso de linguagem poderá anular o processo, pois pode influenciar a decisão dos jurados (HC 354293/RJ, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro);
  • Pende de análise final pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se é possível que o Ministério Público recorra de absolvição proferida pelo júri com base na íntima convicção e por clemência (RHC nº 117.076/PR, Min Celso de Mello);
  • Em 2017 entrou em vigor a Lei nº 13.491/2017 que altera dispositivos do Código Penal Militar e retira a competência do júri para julgar os casos cometidos por militares contra civis. Essa mudança legislativa está sendo questionada no STF por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, já que a competência do júri está descrita na Constituição e não pode ser alterada por meio de lei (ADI nº 5901).

CONCLUSÃO

Dessa maneira, cabe pontuar que o tribunal do júri funciona como uma ferramenta para que a sociedade possa participar de determinados julgamentos. Esta é uma forma de justiça adotada por diversas sociedades, e não seria diferente no Brasil.

Veja o resumo do inciso XXXVIII do artigo 5º no vídeo abaixo:

Se preferir, você pode baixar esse conteúdo para ler sempre que quiser!

E você, já sabia que tinha esse direito garantido? Agora que conhece o tribunal do júri, que tal disseminar esse conhecimento? Compartilhe esse conteúdo com seus amigos e dê sua opinião nos comentários! Esse foi mais um texto da série sobre o Artigo 5º da Constituição FederalPara conhecer outras liberdades e direitos, visite a página do projeto!

Sobre os autores:

Gabriel de Freitas Queiroz

Advogado – Direito Penal Empresarial

Matheus Silveira

Membro da equipe de Conteúdo do Politize!.


Fontes:

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.